A mentira e o cinismo desestruturam nossa sociedade

Assistimos diariamente a espetáculos deprimentes de cinismo de boa parte dos nossos políticos, governantes, empresários e outros segmentos sociais. Quando pegos em gravações e mentiras, sempre negam. Nenhum deles assume qualquer erro, deslize ou desvio. Todos se confessam inocentes e injustiçados.

É uma agressão à nossa inteligência, uma bofetada na cara da maioria, de que procura viver a vida com coerência e respeito às leis.

As relações de convivência se baseiam na confiança, em acreditar que o que nos dizem é coerente e válido. A mentira sistemática é uma prática desintegradora social. Sem confiança, tudo se transforma em um jogo de faz de conta, de suspeitas, de incertezas. Num clima de desconfiança fingimos que acreditamos, mas não nos engajamos realmente nem construímos projetos importantes juntos.

A cultura da complacência com a “mentira”, com não assumir práticas honestas em tudo traz consequências profundas para a evolução pessoal e social; nos atrasa em todos os campos. Não se consegue construir uma sociedade avançada onde predomina a cultura da hipocrisia, das meias verdades. Uma sociedade onde muitos grupos mentem e enganam tende à desorganizar-se, a dividir-se, a regredir; cada um tenta se defender, isolar-se e fechar-se no seu pequeno mundo. 

As contradições e incoerências minam nossa esperança. É impossível confiar em pessoas que mentem. Ficamos sempre com um pé atrás. As meias verdades na movimentação política, organizacional, familiar, vão ampliando as redes de hipocrisia, da dupla moral, que geram desconfiança, a duplicidade de comportamento, a negação da realidade, a construção de identidades fictícias. O cinismo é desagregador, gera desconfiança nas relações e agrava a doença social.

Como pais e escolas podem educar para valores verdadeiros, com esses modelos sociais hipócritas e cínicos? A mensagem subliminar que a sociedade recebe é a de que o crime compensa, que mentir faz parte do jogo e que quem é diferente é um otário. Como pregar honestidade com tantos maus exemplos vindos de cima?

Contra o cinismo, contrapomos a indignação, o não conformismo, o questionamento, a justiça. A pressão social e as condenações legais são instrumentos fundamentais para diminuir a corrupção estrutural e a mentira.

No plano pessoal, precisamos contrapor ao cinismo, o exemplo de atitudes de comunicação aberta, de práticas de convivência civilizada, de comportamento ético, de coerência entre o que falamos e realizamos. A educação – em todas as instâncias e formas – pode e deve dar mais ênfase aos valores fundamentais como a aprender a conviver num mundo complexo, plural e a comportar-nos de forma honesta e digna. É um longo caminho, cheio de dificuldades, mas se quisermos construir uma sociedade mais justa e decente, o caminho é ir desmontando os mecanismos da mentira, da ocultação, da dissimulação e trocá-los pelos da coerência, confiança e respeito, começando por nós mesmos.


É um processo longo, doloroso e contraditório, mas absolutamente necessário, para o qual todos - em especial pais e educadores – somos chamados a dar nossa contribuição para mudar a mentalidade reinante e redefinir, com novas práticas, nossa convivência social. 

José Moran
Educador e pesquisador de projetos de inovação

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